domingo, maio 18, 2008

O que se aspira...

O guarda-redes faz parte da equipa. É nele que começa o jogo.

Barrigas da mãe, da família e da sociedade

Há múltiplas influências na formação dos miúdos. Nada deve ser desprezível. De acordo com Frade (2007) primeiramente, o processo de construção da equipa deve acontecer não conscientemente por parte dos jogadores, embora não deva ser totalmente não consciente. Mas até aos 4 anos nada deve ser desprezível. É importante o que se passa na “barriga da mãe, depois na barriga da família e depois na barriga da sociedade”. Jürgen Weineck diz por exemplo que “(...) o processo de formação das capacidades coordenativas, deve iniciar-se com a gravidez, antes do nascimento ou imediatamente depois, sendo por isso indispensável envolver os pais, os educadores dos jardins de infância, os professores e depois os treinadores, que se preocupam com as ciranças até aos 10 – 12 anos, no sentido da importância deste trabalho (...)”. Weineck fala ainda do circo, dizendo que há crianças capazes de realizar muitas tarefas de malabarismo, mas que contudo não se tratam de talentos excepcionais, porque considera que todas as crianças são capazes de realizar esse tipo de tarefas, se motivadas para tal e se viverem oportunidades com tal finalidade. Por isso diz que esse treino “(...) começa em casa, com os pais, numa actividade diária, onde ainda não se fala em treino, mas em jogo e em brincadeira, em imitação, aproveitando a sua curiosidade (...)”. Neste sentido, acredito que tudo que aconteça desde a gravidez seja importante. E não sei se o processo tem que começar obrigatoriamente aos 4 anos. Porque não começar antes se assim for necessário? Juan David Torres, a criança colombiana que joga Futebol com uma facilidade tremenda (assim como outros miúdos espalhados pelo mundo - é só procurar no youtube), o que é que nos impede de acreditar que pode aparecer um miúdo de 3 anos que já mostre sintomas de craque? Nada é certo. É preciso que haja flexibilidade nestas questões.
Mencionei Weineck, por causa das capacidades coordenativas. Frade afirma muitas vezes que as crianças têm que dominar o seu corpo primeiro e eu acredito que é através do desenvolvimento das capacidades coordenativas que as crianças podem conhecer melhor o seu corpo. Weineck refere ainda que “(...) até aos 10 anos é impossível afirmar, com certeza, se a criança vai ser um nadador, um futebolista ou um tenista (...)”. Isto precisamente porque depois da barriga da mãe, vêm as barrigas da família e da sociedade. Portanto, há múltiplos factores que interferem no desenvolvimento dos talentos. Neste sentido, o processo requer tempo para se realizar. “O que se fez ontem tem que estar ligado com o que se fez antes de ontem e com o que se vai fazer amanhã” (Frade, 2007). E é necessário um enquadramento teórico, que não se esgota na configuração total.

sábado, maio 17, 2008

Espírito de Vitória


Falando em espírito de virória tem que se falar obrigatoriamente em competição. E é nesse espírito competitivo que se procuram as vitórias, por isso a filosofia a defender deve ser (sempre que se tiver condições para tal) “formar a ganhar”. Esta filosofia é um pouco diferente da Holandesa dado que os Holandeses preocupam-se muito com a qualidade, com o espectáculo. Mas também é fundamental ganhar, porque ninguém fica contente por perder. Dessa forma “o espírito de vitória trabalha-se a competir” e como se pode perceber “a competição é balizadora de todo o processo”. Contudo, creio que temos que perceber em que realidade estamos inseridos. Temos que formar a ganhar, mas formar no Manchester não é a mesma coisa que formar no Gondomar, com todo o respeito pelo Gondomar. Deve haver competição, sem dúvida, mas devemos estar sempre conscientes que, dependendo do clube em que estejamos vamos poder ter mais ou menos vitórias nos jogos. Mas concordo que devemos exigir sempre o máximo nos treinos, porque acredito que ganhar nos treinos é o melhor caminho para ganhar nos jogos. O Futebol de rua assume um papel fundamental neste processo de formar a ganhar. Aquela vontade de pressionar quando a equipa adversária está fragilizada após ter sofrido golo ou a vontade de continuar a atacar, independentemente de se estar a ganhar por 3, 4 ou 10 golos, deve ser incutida nos jovens jogadores, porque este é o verdadeiro espírito de vitória. E não é, ao contrário do que se possa pensar, humilhar o adversário nem ser incorrecto. É sim ter respeito. E é respeito porque só ganha quem faz golos. Falta de respeito será, por exemplo, em “atitude de fair-play” após um adversário ter colocado a bola fora de campo para outro jogador ser assistido, voltar a colocar a bola fora para lançamento lateral, mas perto duma das bandeirolas de canto no meio campo defensivo da equipa adversária. Para mim, a expressão fair-play é mais uma moda do que outra coisa qualquer. Desportivismo é para mim, querer ganhar respeitando sempre o adversário e é importante referir que a ideia que tenho de desportivismo é que este nunca deve ser usado como forma para perder tempo. É o que acontece muitas vezes. Mas isso é outro assunto, talvez para discutir um dia mais à frente. Acredito que fazendo com que a nossa equipa se esforce, se empenhe, queira mais e melhor independentemente do tipo de adversário que surge, é desportivismo e é a isso que, do meu ponto de vista se deve, por exemplo, incutir nos miúdos que treinamos. Eles têm que aprender desde cedo que é importante respeitar o adversário e que, mesmo que não sejam respeitados, devem mostrar classe. Creio que tenho um ponto de vista muito peculiar quanto a isto visto que em muitos dos casos, não é classe nem desportivismo que vejo por aí.

Formação

Faz sentido questionarmo-nos em relação ao tipo de formação. Isto porque é sabido que, como há diferentes formas de encarar o Futebol, há diferentes formas de encarar a formação. Qual o tipo de formação mais eficaz? O que se vê na maior parte dos casos? Estas são questões interessantes e que nos ajudam a perceber que nem tudo é como se vê nos livros. Por experiência pessoal, por exemplo, já pude constatar aquele que imagino ser o pior cenário de todos. Se não for o pior será certamente o pior pelo qual já passei. Passei por um clube onde tudo gira à volta da prática antiga dos antigos jogadores de Futebol. Tudo é feito com base no que aprenderam há largos anos atrás portanto. Nada terá mudado? Não se passou a saber mais sobre o treino de crianças e jovens? Muita coisa mudou sim, mas há algo que não mudou: a forma como se deve ensinar o Futebol. E “ensinar Futebol” pode ser uma expressão traiçoeira, porque apesar de se poderem dar dicas aos miúdos para estes melhorarem os seus desempenhos, o Futebol aprende-se por tentativas repetidas, com muita prática. Isto para que, e citando o professor Vítor Frade, “ a bola seja um prolongamento do corpo”. Mas não é assim que se pensa, não só no FC Infesta como certamente em muitos outros clubes de Futebol. As preocupações com o físico são evidentes. Veja-se por exemplo a questão do tamanho dos miúdos na formação. Há uma obssessão pelos miúdos mais altos e fortes em detrimento daqueles mais pequenos. Os mais pequenos até podem ter alguma técnica, mas nunca preenchem os requisitos quando comparados com um miúdo mais alto. Os mais pequenos aprentam “défices de circunstância”, devido ao seu estado maturacional por exemplo, mas isso não quer dizer que sejam inferiores aos outros. Se fossem inferiores não apareceríam no mundo do Futebol como Fabregas sobre o qual Valdando escreve “(...) Fabregas cresce a cada dia num estilo que se opõe à tendência generalizada. Nem alto, nem forte, nem veloz (...)”. Essa tendência generalizada é portanto a de privilegiar os mais capacitados fisicamente num momento específico do seu crescimento. Quantos talentos não se perderão por causa deste pensamento errado que tem como origem a vontade de ganhar a qualquer custo? Valdano pensa precisamente neste sentido: “Assusta pensar quantos jogadores com este estilo se perderam no caminho por medirem menos de 1,80 m, por não estarem preparados para o choque, por não contribuírem o suficiente para a destruição”. Valdano refere que estes jogadores aparentemente mais frágeis têem a “força dos sobreviventes” e isso é para mim totalmente verdade. A sua presença é cada vez mais importante para “desafiar a tendência que contaminou o futebol desde as divisões inferiores até às primeiras equipas e que premeia o visível (o físico) sobre a opinião (o talento).”.

O jogo deve ter uma mecânica que, por sua vez tem que ter uma ordem, mas não pode haver um controlo excessivo, não devem existir robôs. Porque trabalhar com robôs implica maior dificuldade quando for preciso pensar em vez de executar mecanicamente. Contudo é importante salientar que se não houvesse uma mecânica sería complicada a existência de uma identidade. Portanto, a mecânica é importante, mas deve haver espaço para a imprevisibilidade. A criatividade, a liberdade para criar, devem estar patentes no jogo de futebol, mas para isso devem estar presentes no treino. É essencial perceber isto. E na formação, essa liberdade para criar deve ser fomentada e valorizada. Mas o que há muitas vezes é um “amarrar os jogadores às tácticas”, esquecendo que os jogadores é que jogam. É verdade que o cérebro tem que estar fora de campo (treinador) e dentro de campo (jogadores), contudo quem decide em função das circunstâncias é o jogador. É por esse motivo que entre a ordem deve haver espaço para o detalhe. Mas o que se faz hoje cada vez mais é uniformizar tudo quando há várias formas de conceber o jogo e diferentes formas de jogar. O facto de cada vez mais se privilegiar jogadores “tacticamente disciplinados” é uma forte evidência do fraco equilíbrio que há no Futebol de hoje. A história de Riquelme é um exemplo do estado em que o Futebol está. Para mim, jogadores como Riquelme têm que ter espaço em qualquer equipa. Para mim repito. E friso, nas minhas equipas adoraría ter um Riquelme. A partir do momento que sabería que tínha um jogador assim, o meu objectivo sería fazer a minha equipa jogar com Riquelme. Procurar criar dinâmicas que possibilitem a sua inclusão na equipa. Creio que é aí que está o desafio: é ter um jogador como Riquelme e fazer com que a equipa funcione. Abdicar de Riquelme e fazer a equipa jogar como as outras equipas jogam será muito fácil, porque tudo é igual. Talvez nem seja preciso muito esforço para copiar as ideias dos outros treinadores. Agora, criar uma nova forma de jogar, ou uma forma de jogar autêntica é mais complicado e requer muito esforço. Sem dúvida que requer. Questiono-me então sobre a formação. O que acontece quando aparece um miúdo com muita qualidade com muita propensão para atacar e pouca para defender? A função do treinador é fazer com que esse miúdo evolua e não pô-lo de parte. Deve haver essa valorização por parte do treinador. O treinador deve saber que pode vir a perder jogos, que os mecanismos para o seu jogar podem não surgir de imediato, contudo deve ser paciente e deve preocupar-se acima de tudo em ensinar com qualidade e motivar os miúdos sempre no sentido de fazer o melhor possível, porque não é fácil perder muito na formação. Mas o que se faz em muitos casos é pôr esses miúdos de parte porque os resultados não aparecem. Então convocam um jogador mais forte, mais alto que já consegue dar resposta às situações pretendidas. É a velha questão da pressa, de pensar no imediato. Nada é mais errado que isso na formação. Precisamente porque a pressa, a rapidez, pode ser muito . Baseado num texto de Valdano, há que dizer que a pausa pode ser um sintoma de um bom jogador de Futebol. Assim como na boa música há pausas, no bom Futebol as pausas também devem existir. É preciso saber pausar, olhar, vêr, impôr ritmos diferentes e inesperados. A virtude do Futebol não está nas “rapidezes constantes” mas sim naqueles momentos onde há alternâncias de movimentos, velocidades, de ritmos.

Muito mais que dentro das 4 linhas


O Futebol não se resume àquele jogado nas quatro linhas. Hoje, cada vez mais o que está dentro das quatro linhas passa para fora e também cada vez mais há uma influência de aspectos que residem fora das quatro linhas sobre o que se passa dentro de campo. E como refere Valdano, “profissionalização dos clubes, marketing, o jogo entendido como conteúdo televisivo...” são alguns dos aspectos que comprovam esta influência. É então imprescindível que se perceba esta realidade e que se perceba o Futebol como fenómeno macro. Ou seja, compreender o Futebol como fenómeno político, social, cultural... um fenómeno antropo-social-total. Isto porque só estaremos no fenómeno se estivermos conscientes das suas várias e variadas componentes. Caso contrário não estaremos a par do que se passa e não nos fará grande diferença, porque “não se sente falta daquilo que se desconhece”. É de facto importante perceber tudo que gira à volta do Futebol, para que possamos estar “potencialmente disponíveis para”. Ou seja, para que possamos vir a evoluir. Potencialmente porque nada é um dado adquirido, nada é imutável. Creio que isto tudo é válido, na medida em que o Futebol é uma modalidade apreciada por massas e todos têm sempre algo a dizer sobre Futebol. Por vezes nem sempre o que se diz é inteligente, mas todos pensam que podem opinar sobre Futebol. E nota-se uma grande aproximação de muitos interesses em relação ao Futebol, precisamente por ser uma modalidade apreciada por massas. Mais pessoas, mais dinheiro. As transmissões televisivas, os contratos publicitários, as sessões fotográficas... tudo isso afecta o mundo do Futebol dentro das quatro linhas. Isto porque para além do “jogo jogado” passam a existir outros interesses, outros jogos... fora das quatro linhas. Não raras vezes li na altura do Real Madrid galáctico que Ronaldo chegou 15 minutos atrasado por causa de um anúncio da Nike, por exemplo. Isto para que se entenda que o Futebol já não é aquele jogado apenas dentro das quatro linhas e que os interesses não se resumem simplesmente a fintar o adversário e marcar golo. Portanto é importante perceber esta realidade para que possamos lidar com ela da melhor forma. Caso contrário ficamos na mesma, sem compreender o fenómeno nem o que o rodeia.